A arquitetura das células: uma visão nova sobre o cancro por Mina Bissell

Parece evidente que precisamos de novas ideias e novos avanços na compreensão do cancro 40 anos depois de ser declarada a Guerra ao Cancro (Presidente Nixon, 1971). Esta é uma guerra inglória, o culminar de um anticlimax na qual os avanços são modestos. A taxa de mortalidade da maior parte dos cancros, com algumas exceções, praticamente não se alterou nas últimas décadas. Se a teimosia pode muito bem ser uma grande qualidade em várias situações, neste caso parece que se opõe a um verdadeiro progresso na luta contra o cancro. A insistência tem sido em atingir as células desta doença com poderosos e tóxicos venenos e literalmente esperar que o cancro morra antes do que a pessoa. Muito embora este método tenha conseguido alguns sucessos, deixa atrás de si um caminho de incertezas e limitações onde muitas das vezes a fronteira entre benefícios e riscos se apresenta demasiado ténue.

Uma das ideias que tem vindo a ser cada vez mais relevante passa por compreender a importância do microambiente no qual está inserido o tumor para o seu desenvolvimento. Uma das conhecidas analogias tem sido a de perceber a célula mutante, capaz de dar origem a um tumor clinicamente observável, como uma semente. Esta semente assim que for semeada dependerá da qualidade do terreno para poder crescer e proliferar. Assim se passa com o cancro, que irá reconfigurar e utilizar todos os mecanismos biológicos disponíveis ao seu redor para deles tirar vantagem na sua cupidez de crescimento e conquista. Já sabemos como a exploração do mecanismo natural da inflamação, entre outros, tem um papel importante nesse processo. O que não sabíamos é que para lá das mutações nos genes e das condições bioquímicas do seu microambiente, parece haver também uma espécie de arquitetura da célula que influi e quiçá promove o próprio cancro, assim sugere a Mina Bissell, bióloga, investigadora e especialista pioneira no estudo do papel da matriz extracelular e do microambiente na regulação dos tecidos. Aliás a relação íntima ente arquitetura e a célula começa pela própria palavra, cunhada pelo cientista inglês Robert Hooke, quando ao observá-las ao microscópio o fez lembrar as pequenas celas de monastério habitadas por monges em reclusão.

A pesquisa de Mina Bissell sugere que o cancro não é causado apenas pelas células de cancro, mas pela interação ente essas células e o microambiente celular envolvente. Em corpos saudáveis a arquitetura e homeostase dos tecidos normais inibem a progressão do cancro. O inverso também parece ser verdadeiro: num estudo de 1997, células mamárias mutantes, quando doseadas com um anticorpo e colocadas num microambiente celular normal, passaram a funcionar normalmente. Este novo entendimento do cancro a partir do laboratório de Bissell pode levar a novos caminhos de tratamento e prevenção de vários cancros. Para já convida-nos a perceber a doença a partir de uma totalidade sem nunca se poder isolar a parte to todo do qual faz parte. Vale realmente a pena ver esta sua intervenção.

Algumas citações de Mina Bissell:

“Retira-se células mamárias, põem-se num prato e ao fim de 3 diasnão produzem leite. Esquecem-se completamente.”

“O contexto predomina. Em diferentes contextos, as células fazem coisas diferentes.”

“Não sejamos arrogantes, pois a arrogância mata a curiosidade e a paixão.”

“Se é verdade que a arquitetura é dominante, quando devolvida a uma célula de cancro isso deverá fazer com que esta pense que é normal.”

“Nas células, a forma e a função interagem dinamica e reciprocamente.”

Referências:

http://www.ted.com/talks/mina_bissell_experiments_that_point_to_a_new_understanding_of_cancer.html

http://www.nytimes.com/2009/12/29/health/research/29cancer.html?pagewanted=1&_r=2

http://www.lbl.gov/LBL-Programs/lifesciences/BissellLab/main.html

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